Despeço-me da varanda
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Despeço-me da varanda,
com pesares e dissabores, mas com as roupas velhas naquela minha mala azul que
já percorreu tantos caminhos. Digo adeus para a varanda, ainda com a recordação
firme da primeira vez que pisei nela.
Se a varanda se
entristece com minha despedida fora dos eixos, não sei, mas sei que eu me
entristeço por ter que me afastar dela. Todavia não é dessas tristezas
desgraçadas, que matam a alma, corrompem um coração iludido ou perturbam a
mente. Despeço-me da varanda com a certeza de que muito foi feito até aqui, e
que houve choro, felicidade, riso, amores sem-sentido, pensamentos infundados,
palavras mal escritas.
Nessa minha última
noite na varanda, acompanham-me duas latas da cerveja mais barata do mercado.
Acompanham-me, também, na leve recordação da primeira cerveja tomada encarando
a vista que vejo agora e vi nos últimos meses. Há pouco mais de um ano,
sentei-me enquanto via o dia findar e escurecer, pensando o quanto a vida se
transformava. Mal sabia eu que as grandes transformações ainda estavam por vir.
Despeço-me da varanda,
não com a promessa de um retorno breve, mas com um sentimento de recomeço, de
novas aventuras, de novos receios e novos enfrentamentos. Encaro a rua que
acompanhei nas madrugadas em que a falta de sono se fez presente. Tá vazia. Tem
aquela pichação que se destaca frente aos meus olhos, o cachorro do vizinho que
late todas as madrugadas, um breve reflexo de uma das principais avenidas da cidade
e um som que ecoa todo sem forma.
Não termino os meus
dias nessa varanda sozinha, termino com um calhamaço de recordações que levo
dentro daquela caixinha rosa que ganhei no meu último aniversário. Já está tudo
bem guardado dentro da mudança colocada nas caixas roubadas do mercado.
Encaro o céu enquanto
deixo um pouco da minha alma nessa varanda. Não que já não tivesse um tanto
considerável, afinal esse céu foi o teto de muitas lágrimas, esse chão foi o
travesseiro de muitas dores de cabeça, essas paredes foram um apoio aos dias
estranhos que fui obrigada a enfrentar.
Despeço-me da varanda
enquanto uma música boa toca, enquanto certa satisfação cai em meu coração e um
sorriso toma conta do meu corpo, como se fosse uma droga letal. Dormirei sob as
estrelas, na certeza de tudo faz e se refaz. Hoje me despeço, amanhã me
lembrarei e na semana que vem carregarei a certeza de que a vida foi vivida.
Mas que acima de tudo: a vida acontecerá pela eternidade.
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