Ecos do Maranhão: Amanhã há de ser outro dia!

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Talvez não exista nada mais clichê do que a energia de renovação que uma viagem pode trazer. Principalmente quando se tem vinte e poucos anos e o mundo carrega doses estratosféricas de caos e terrorismo psicológico. Como sempre digo, os clichês são retomados invariavelmente porque eles possuem determinado nível de funcionabilidade.

Falar sobre funcionabilidade pode nos relegar a uma ideia de utilitarismo, a qual a autora que lhes escreve discorda profundamente. Mas não consigo desapegar da perspectiva da função do que a vida nos entrega. Não domino as etimologias da palavra para discorrer sobre a relação linguística entre funcionabilidade, função, funcionamento, e tudo o que couber neste escopo. Há certa obviedade, talvez.

Para além das reflexões sobre a língua, escrita e o que nos entrega a palavra função, penso que existem dimensões que o tempo, a história, a troca, a vida do outro e a vida da gente vão nos entregar. Ao retomar para o ponto anterior, tudo aquilo que nos é dado possui uma função, muitas vezes oculta, perdida nas dores e delícias que esse negócio de ser gente de carne e osso pode gerar.

Aos leitores desconectados das redes sociais, esclareço: passei os últimos cinco dias surrupiando novas histórias nas ruas de São Luís, capital maranhense, entre cervejas Magníficas, bagagens de outras pessoas, trocas, discussões sobre tudo que mexe com a gente e a tenra possibilidade do novo, escondido em cada esquina. Para facilitarmos as conexões, quase como em um sentido didático, escrevo para discorrer sobre a função dos dias vividos de outro lado do país.

Ao final de minha graduação, bradei aos meus colegas que o novo sempre vem, em uma repetição daquilo que as músicas, os poetas e artistas nos dizem. Apesar da consciência da renovação e da certeza de que tudo se transforma completamente, nem sempre é perceptível de onde é que a vida vai mandar tanta energia a ponto de nosso coração ecoar que nada mais será como antes.

Quase como um desabafo íntimo, confesso que tenho sentido doses de mudanças nos últimos meses que talvez só sejam notadas por mim. As grandes questões da existência circulam como o pôr do sol mais bonito que vi em minha vida, sob o Palácio dos Leões. É como a luz do final da tarde que toca a pele e aquece o que é invisível aos olhos.

Não visitei os famosos lençóis maranhenses. Não conheci Alcântara, que pelas minhas recordações, foi alvo de um certo presidente ensandecido. Não fiz rotas tradicionais ou caminhos milimetricamente traçados a partir de postagens do Instagram. Mas vi meu coração ser invadido pela calma dos pés molhados em uma água escura, pelo vento que embaraçou meus cabelos em um barco com música que me irritava. Tive meu corpo invadidos pelas luzes amarelas do centro histórico, sob uma energia que tinha esquecido como era.

Tive a sorte profunda de ser tocada. Tocada pelo reencontro com uma amiga do coração, há tantos dias distante depois de anos de cafés compartilhados em uma graduação que nos levaram para lados opostos às expectativas para duas bacharelas em Direito. Tocada pela chance de contar para outra amiga toda a confusão amorosa que tem acontecido em minha vida e como eu continuo excelente em sambar sobre o bom senso, em doses vacilantes de equívocos. Fui tocada por aqueles que fui apresentada nas ruas, nos bares, nas praias, que permitiram a descoberta de mundos completos em forma de gente de tantos lugares e origens diferentes.

Ouvi histórias de amor, de como um relacionamento de seis anos pode se esvair por uma paixão arrebatadora em um país quente como o Brasil. Relembrei que a vida é esse negócio que mexe com a gente da pontinha do pé até o último fio de cabelo e que as expectativas tradicionais não suportam toda a imensidão dos nossos desejos. Falei sobre como o amor é político, sobre as contradições da monogamia, como é delicioso e doido existir. Deixei meus cabelos soltos e bagunçados, sem pensar no dia seguinte.

Senti o afeto nos olhares e toques de gente que vem suportando a solidão e os espaços vazios de uma pandemia, consolidados sob a perspectiva que só é possível viver a vida a partir da apropriação das nossas incertezas e angústias. Neste sentido, ouso dizer que as horas vividas em terras maranhenses vieram para marcar alguns processos do meu ser que ainda não compreendo.

Sempre repito que uma das coisas mais doidas que poderia ter me acontecido é aquilo de me tornar exatamente o que eu imaginei que seria, ainda que minha imaginação não pudesse estruturar em termos concretos, apenas sentimentais. Hoje, eu sou a garota de vinte e poucos anos não tão perdida nas próprias contradições, sentada em um avião, com o notebook aberto, marcando em palavras a sensação que o azul do céu me proporciona no retorno de uma viagem que me deu exatamente o que eu precisava, mesmo que eu não soubesse.

Continuo sem saber o que é que será do amor, da minha sobrevivência, dos meus dias futuros e para onde minha vida vai me levar. Apesar do alto nível de barbaridade que as desigualdades, a pobreza e as violências nos entregam em um sentido coletivo, há um certo fôlego de esperança que os ares de São Luís sopraram em meu coração. E na retomada do que nos cantou Chico Buarque, talvez nada nos importe tanto quanto a afirmação categórica de que amanhã há de ser outro dia.


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