Ecos do Maranhão: Amanhã há de ser outro dia!
13:34Talvez não exista nada mais clichê do
que a energia de renovação que uma viagem pode trazer. Principalmente quando se
tem vinte e poucos anos e o mundo carrega doses estratosféricas de caos e
terrorismo psicológico. Como sempre digo, os clichês são retomados
invariavelmente porque eles possuem determinado nível de funcionabilidade.
Falar sobre funcionabilidade pode nos
relegar a uma ideia de utilitarismo, a qual a autora que lhes escreve discorda
profundamente. Mas não consigo desapegar da perspectiva da função do que a vida
nos entrega. Não domino as etimologias da palavra para discorrer sobre a
relação linguística entre funcionabilidade, função, funcionamento, e tudo o que
couber neste escopo. Há certa obviedade, talvez.
Para além das reflexões sobre a língua,
escrita e o que nos entrega a palavra função, penso que existem dimensões que o
tempo, a história, a troca, a vida do outro e a vida da gente vão nos entregar.
Ao retomar para o ponto anterior, tudo aquilo que nos é dado possui uma função,
muitas vezes oculta, perdida nas dores e delícias que esse negócio de ser gente
de carne e osso pode gerar.
Aos leitores desconectados das redes
sociais, esclareço: passei os últimos cinco dias surrupiando novas histórias
nas ruas de São Luís, capital maranhense, entre cervejas Magníficas, bagagens
de outras pessoas, trocas, discussões sobre tudo que mexe com a gente e a tenra
possibilidade do novo, escondido em cada esquina. Para facilitarmos as
conexões, quase como em um sentido didático, escrevo para discorrer sobre a
função dos dias vividos de outro lado do país.
Ao final de minha graduação, bradei aos
meus colegas que o novo sempre vem, em uma repetição daquilo que as músicas, os
poetas e artistas nos dizem. Apesar da consciência da renovação e da certeza de
que tudo se transforma completamente, nem sempre é perceptível de onde é que a
vida vai mandar tanta energia a ponto de nosso coração ecoar que nada mais será
como antes.
Quase como um desabafo íntimo, confesso
que tenho sentido doses de mudanças nos últimos meses que talvez só sejam
notadas por mim. As grandes questões da existência circulam como o pôr do sol
mais bonito que vi em minha vida, sob o Palácio dos Leões. É como a luz do
final da tarde que toca a pele e aquece o que é invisível aos olhos.
Não visitei os famosos lençóis
maranhenses. Não conheci Alcântara, que pelas minhas recordações, foi alvo de
um certo presidente ensandecido. Não fiz rotas tradicionais ou caminhos
milimetricamente traçados a partir de postagens do Instagram. Mas vi meu
coração ser invadido pela calma dos pés molhados em uma água escura, pelo vento
que embaraçou meus cabelos em um barco com música que me irritava. Tive meu
corpo invadidos pelas luzes amarelas do centro histórico, sob uma energia que
tinha esquecido como era.
Tive a sorte profunda de ser tocada.
Tocada pelo reencontro com uma amiga do coração, há tantos dias distante depois
de anos de cafés compartilhados em uma graduação que nos levaram para lados
opostos às expectativas para duas bacharelas em Direito. Tocada pela chance de
contar para outra amiga toda a confusão amorosa que tem acontecido em minha
vida e como eu continuo excelente em sambar sobre o bom senso, em doses
vacilantes de equívocos. Fui tocada por aqueles que fui apresentada nas ruas,
nos bares, nas praias, que permitiram a descoberta de mundos completos em forma
de gente de tantos lugares e origens diferentes.
Ouvi histórias de amor, de como um
relacionamento de seis anos pode se esvair por uma paixão arrebatadora em um
país quente como o Brasil. Relembrei que a vida é esse negócio que mexe com a
gente da pontinha do pé até o último fio de cabelo e que as expectativas
tradicionais não suportam toda a imensidão dos nossos desejos. Falei sobre como
o amor é político, sobre as contradições da monogamia, como é delicioso e doido
existir. Deixei meus cabelos soltos e bagunçados, sem pensar no dia seguinte.
Senti o afeto nos olhares e toques de
gente que vem suportando a solidão e os espaços vazios de uma pandemia,
consolidados sob a perspectiva que só é possível viver a vida a partir da
apropriação das nossas incertezas e angústias. Neste sentido, ouso dizer que as
horas vividas em terras maranhenses vieram para marcar alguns processos do meu
ser que ainda não compreendo.
Sempre repito que uma das coisas mais
doidas que poderia ter me acontecido é aquilo de me tornar exatamente o que eu
imaginei que seria, ainda que minha imaginação não pudesse estruturar em termos
concretos, apenas sentimentais. Hoje, eu sou a garota de vinte e poucos anos
não tão perdida nas próprias contradições, sentada em um avião, com o notebook
aberto, marcando em palavras a sensação que o azul do céu me proporciona no
retorno de uma viagem que me deu exatamente o que eu precisava, mesmo que eu
não soubesse.
Continuo sem saber o que é que será do
amor, da minha sobrevivência, dos meus dias futuros e para onde minha vida vai
me levar. Apesar do alto nível de barbaridade que as desigualdades, a pobreza e
as violências nos entregam em um sentido coletivo, há um certo fôlego de
esperança que os ares de São Luís sopraram em meu coração. E na retomada do que
nos cantou Chico Buarque, talvez nada nos importe tanto quanto a afirmação
categórica de que amanhã há de ser outro dia.
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