Combate ao discurso sem-noção

20:38

Com o constante debate político dos últimos dias, algumas questões polêmicas surgiram nas rodas de conversa. Uma delas é a lei de cotas, principalmente, as raciais e indígenas. Ouvi, li e vi muitas pessoas falando grandes absurdos, produto de uma mídia corrupta que mostra apenas o que lhe interessa; produto da falta de interesse de participar politicamente da sociedade; produto do desinteresse pela leitura e busca do entendimento do que ocorre ao nosso redor. 
Bem, por que estou escrevendo sobre isso? Vamos lá: Minha irmã estuda em um colégio particular e hoje ela chegou com um livro, uma coletânea de diversas produções de alunos do infantil ao ensino médio de sua escola. Assim que vi, resolvi dar uma olhada nele e ler algumas redações. Li uma, li outra, até chegar a uma com o seguinte título: “Vitimização racista”. Decidi enfrentar o que estava escrito, ainda com o meu forte pressentimento de que leria um texto de alguém mal-informado.
O primeiro argumento defendido de quem escreveu o texto está baseado na situação vivenciada pelo ator Vinicius Romão, um negro que foi confundido com ladrão. Antes de qualquer coisa, fui ler um pouco mais sobre o caso e descobri que a situação ocorreu na Zona Norte no Rio de Janeiro, que coincidentemente é a região pobre da cidade, com um cenário de tráfico de drogas, comunidades, pobreza e violência.
No texto, a defesa é a seguinte: o preconceito não está na polícia e sim em quem apóia a ideia de que ele foi preso erroneamente por causa de preconceito, visto que isso só coloca o negro como vítima, diminuindo-o perante a sociedade. E aqui vai a minha primeira resposta: o preconceito está na polícia, sim! O ator foi preso por uma semelhança medíocre com o autor do roubo denunciado: o cabelo Black Power e a pela negra. Não se vê casos em que pessoas brancas são confundidas com assaltantes por serem brancas e terem o cabelo, por exemplo, loiro. A prisão de Vinicius foi dada por preconceito, por racismo e sustentada por motivos irrisórios, já que não foi encontrado nada com ele, e nem a roupa que usava condizia com a descrição dada pela vítima. Ele foi preso porque era negro, e existe uma imagem de que os criminosos são os pobres, os negros, os que habitam as favelas.
É muito mais fácil um negro ser parado pela polícia do que um branco, porque associam a imagem negra a uma ideia de perigo para a sociedade que acarreta uma orientação de conduta completamente racista.
Quem escreveu a redação ainda afirma que o caso não foi preconceituoso, e que a polêmica gerada em cima do episódio é apenas uma “tentativa desesperada de afirmar a igualdade”, e que no fim das contas, o preconceito só é resultado de uma vitimização dos negros. Militantes negros, coletivos, defensores de um país menos preconceituoso acabam de ser escrachados com essa frase. De acordo a Secretaria de Assuntos Estratégicos, 51% da população brasileira é negra, e dos que ganham mais do que dez salários mínimos, só 20% são negros.
Como dito no Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil (2007-2008), “É um fato que a pobreza no Brasil tem cor: negra. Tal afirmação não pode ocultar a existência de um amplo contingente de pessoas pobres e extremamente pobres que não são negras. Todavia, a maioria dos negros não é negra porque é pobre, mas, sim, é pobre (ou mais pobre), justamente por ser negra.”
Continuando com a resposta para o texto que mencionei: A segunda colocação de quem escreve é uma crítica ao sistema de cotas raciais, e coloca-o como um modo de vantagem para negros e índios ingressarem no ensino superior. (Com licença, fui ao banheiro vomitar e já volto). Diz também que há preconceito implícito, e que a cota racial só coloca negros como inferiores.
“O verdadeiro problema é a pouca renda que não paga uma boa educação básica, não há relação com a cor da pele”. Não queria parecer grossa, mas acho que alguém faltou nas aulas de história. Brancos receberam terras ao virem para cá, e negros vieram para viver uma vida de escravidão e essas ações não estão só no passado, porque elas deixaram um legado. O negro é pobre porque ele está inserido num contexto histórico que promoveu essa situação a muitos. E não é todo rico que tem dinheiro porque saiu da miséria rumo aos milhões, mas sim por uma herança familiar.
A cota racial (e social) é uma medida provisória do governo, e de acordo com o Artigo 7 da Lei nº 12.711/2012 (conhecida como Lei de cotas), deverá ser revisada em dez anos. Então, não, não é um simples tapa-buraco do governo, e sim uma colocação inicial para promover a uma educação mais igualitária. Isso é um investimento do governo para educação, pois uma reforma educacional que começasse só pela base não atenderia a população do presente, diminuindo o desenvolvimento do país.
Copio o último parágrafo da redação aqui e deixo à análise de quem ler: “Ao invés de tentar criar racismo onde não há, as pessoas poderiam lutar para acabar com o racismo real, presente na hora da contratação de empregados, nos estabelecimento de salários e benefícios, na convivência social, no sistema de cotas e na própria vitimização”.
Concluo deixando a minha tristeza em ver que muitos jovens ainda pensam dentro da caixinha. Deixo, também, a minha frustração com o colégio em questão e com os professores, porque eles são fundamentais em mostrar que não há uma história única sobre nada. Estou decepcionada porque vejo cada vez mais o desenvolvimento de uma elite branca que pouco se importa com as classes mais baixas. Entretanto, minha maior angústia está contida no fato de ver jovens mal-informados, reprodutores de uma mídia tirana e preconceituosa.
Falam tanto de mudar o mundo, e não questionam nem os ideais que família, escola e imprensa impõem. Meros copiadores de um dito ridículo, sem o menor embasamento. O meu desejo para o mundo? É que cada um abra-se a ver que não existe só o que se vê, e nada é só o que parece.

Fontes e sugestões de leitura:

Matérias da imprensa:



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2 coment�rios

  1. Um bom texto, mas teria maior impacto se fosse mais imparcial.

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    1. Obrigada! Acredito que a imparcialidade não exista, sempre tenderemos a um lado do debate.

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