Um conto dos amores errados
18:04
Cinco
horas da tarde. Chovia desesperadamente. O ônibus estava atrasado. Ela revirou
os olhos mais uma vez, para que, talvez, algum ser divino notasse o quão
irritada ela estava. Nos últimos minutos, a ansiedade que existia dentro dela
havia sido fomentada de uma forma louca.
Olhou
no relógio, parecia que só uma dúzia de segundos haviam se passado. Com os
fones tocando qualquer coisa que não condizia com o que aparentava, ela colocou
a touca sobre os cabelos molhados, tentando respirar fundo. Estava com frio.
Entre
os seus devaneios esquisitos, não percebeu um carro que buzinava de uma forma
um tanto desenfreada. Um cara lhe cutucou e disse: “Acho que é para você, moça”.
Olhou de forma desentendida, não reconhecia o carro, a chuva impedia que descobrisse
quem era. Com toda a desconfiança abrigada em seu coração, aproximou-se, e ao
chegar perto, deu uma risada desenfreada, principalmente ao ouvir “E aí,
precisa de uma carona?”. Ela revirou os olhos. “Vamos lá, acho que você não
quer ficar tomando chuva, não é?”.
Era
ele, o caso-amor esquisito que possuiu em sua vida há tempos. Era ele, que declarara
sentimentos estranhos para ela, toda fria. Era ele, a paixãozinha doida do
colégio.
Entrou
no carro meio desconfortável, reparando no cheiro do cigarro que ele ainda
insistia em fumar. Uma das manias que ela odiava. Chopin tocava no rádio do
carro, algo semelhante ao que estava escondido em suas playlists do celular,
demonstrando que o gosto musical descoberto em conjunto nos tempos malucos da
adolescência permanecia.
O
silêncio pairava no ar. Não de forma desconfortável, compartilharam o silêncio
muitas vezes nos tempos passados para se sentirem incomodados com a falta de
palavras. Afinal de contas, o que dizer após tanto tempo? De qualquer jeito,
sabiam que ela seria a primeira a falar, era muito desesperada para permitir
tanta quietude. “O que você anda fazendo da sua vida? Continua enchendo a cara
todos os finais de semana?”
Ele
deu uma risada leve, ela continuava com aquela pontada de ironia em todas as
suas falas. “Claro. Não sou o tipo de pessoa evoluída como você. Como pode
perceber, a única intelectualidade que reina na minha vida são as músicas
clássicas. Ah, e os vinhos adoráveis que você achou importante aprender a beber”.
Ela
revirou os olhos. Ele riu internamente, a mania não passava, mesmo anos depois.
Ainda assim, era incrível o grau de intimidade que ecoava naqueles poucos
minutos. Quase sabia cada movimento que ela faria. Antes que ela entrasse em um
movimento silencioso outra vez, perguntou se ela já tinha terminado a
faculdade.
“Sim.
Comecei a fazer outra agora.” “Ah, é? Qual?” “Não vou falar, você vai dar muita
risada” “Poxa vida! Eu conheço você desde a época que seus cabelos eram de
mocinha. Fale logo”. Ela mordeu os lábios. Era fato que sua aparência tinha
mudado muito. Os longos cabelos tinham sido substituídos por um corte
assimétrico, despenteado. Os fios loiros eram agora uma mistura de azul, verde
e cinza. “Tô cursando Ciências Sociais”. Foi então que ele gargalhou como se
nunca tivesse ouvido uma piada tão boa. Era tão ela acabar em Ciências Sociais.
O
clássico que tocava no carro deu lugar para Yesterday, dos Beatles. O silêncio
caiu novamente, enquanto ela sentia por entender a tradução daquela música tão
boa. Ele virou para ela, e perguntou, de forma intencional, se podia traduzir a música. Ela deu de
ombros, porque os dois já sabiam o que dizia. “Ontem o amor era um jogo tão fácil de se jogar, agora preciso de um
lugar para me esconder. Ah, eu acredito no dia de ontem. Por que ela teve que
ir eu não sei. Ela não disse”.
De
repente, ela sentiu os dias passados ressuscitando em sua frente. As falas
ainda ecoavam pela cabeça dela: Por que você largou dele? Ele era um rapaz tão
bom! Por que você tem que ser tão frio? Você magoou o coração dele!
Foram
anos de idas e vindas – confusas – soltos ao vento. Eles eram bons juntos,
todos sabiam, mas a necessidade dela ser mais dela do que ninguém era mais
forte. Amores vêm, amores acontecem, amores pegam fogo, amores acabam. Ela o
amava e vice-versa. Os dois tinham certeza disso, mas não bastava.
Ela
apontou uma esquina “Pode me deixar ali”. Ele encostou o carro e enquanto ela
saiu, segurou a mão dela, o que gerou um olhar desesperado que vinha dos olhos
negros que tantas vezes o encararam. “Por que não demos certo, meu amor?”.
Ela
bateu a porta do carro, recusando a dar qualquer resposta, até porque os olhos
já tinham entregado tudo: Pessoas certas ficam juntas, pessoas erradas não
ficam juntas. Isso bastava como resposta de uma alma para outra. Os dias
passam, e o que é inspirado pelo coração na maior das certezas permanece. Eles
não eram certezas e nunca seriam. “Não
demos certo, meu amor. Saber isso é suficiente”.
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