Justiça, vida e paz: uma ode à minha bisavó

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No meio de uma semana, no meio das trinta e sete tarefas pendentes na minha planilha do Excel, eu resolvi parar para pensar na vida. Talvez não seja o momento ideal, com tantos afazeres para serem resolvidos. Mas eu já não me entristeço quando não consigo encontrar um tempo para escrever como antes. Parte de mim compreende que não escrevo porque existe paz de espírito aqui dentro de mim, que a vida se tornou um lugar confortável para o meu eu e que ando ocupada demais andando pelas ruas e traçando novos caminhos.

Estava procrastinando e calculando quantos minutos eu poderia ficar sem fazer nada até a próxima reunião quando minha mãe me enviou uma mensagem com duas fotos da minha bisavó. Na primeira, ela estava séria. Na segunda, ela sorria. E eu sorri, na lembrança de um ser humano tão especial e tão inspirador que eu gostaria que ela estivesse viva para ver onde é que eu fui parar, porque parei em um bom lugar.

Nos momentos que me sinto um pouco perdida, gosto de parar para pensar que minha bisavó já esteve em locais onde não sabia o que seria, nem o que faria, nem o que era. Gosto de pensar que tenho aflições muito semelhantes as que ela teve, ainda com todo o espaço-tempo quase que imensurável da vida. Entendo que a mulher que sou hoje se regou na existência da minha bisavó, ainda que eu não pudesse perceber os impactos leves e doces como a bala de canela que ela me dava depois que saímos da igreja.

Parte de mim gosta de acreditar que ela está bem perto de mim quando nada se encaixa, quando eu estou triste, quando eu acho que nada vai dar certo. Parte de mim sente que ela está ao meu lado quando eu estou sozinha e em todos os momentos que eu acho que o mundo vai me engolir. Tipo um anjo da guarda, sabe? Que fica no céu, ou em qualquer outro lugar sobrenatural que nossa limitada humanidade não foi capaz de descobrir, olhando por mim, torcendo, acreditando mesmo quando eu não consigo acreditar em mim.

Sei que os bons dias, as horas leves e os momentos de paz carregam a energia de gerações orando por uma vida boa, por justiça, por águas suaves e tranquilas. As orações da minha bisavó se distribuíram pela sua herança no mundo, e eu sou extremamente grata por ser herdeira de uma mulher forte, batalhadora, guerreira. Faço parte de uma família de mulheres fortes, sou fruto de lutas pelo justo, mesmo que tais lutas não sejam perceptíveis.

Eu gosto muito de fotografias, porque elas me lembram de onde eu vim e para onde eu quero ir. Atualmente, no meu quarto, tem uma foto da minha mãe, do meu pais, dos meus avós e dos meus bisavós, para que nos dias que não tiver vontade de eu lutar um pouco, eu me lembre dos que lutaram e lutam, dos que me ensinaram sobre como viver a vida com amor e com fé.

Hoje eu já sou uma mulher, e é engraçado falar isso. Eu sou adulta, tenho a minha vida, tenho as minhas conquistas e os meus problemas. Tenho um emprego, estou quase me formando na faculdade, estou tentando me alimentar de forma mais saudável e viver além da minha agenda apertada por meia dúzia de projetos que amo e acredito. É curioso como o tempo passa, como a vida gira, como ela vai e volta fazendo os seus circuitos sem que percebamos.

Escrevo a minha história a cada dia que passa, e faço isso com muita felicidade. Eu tenho tudo o que desejei um dia e talvez essa seja a coisa mais louca que poderia ter me acontecido: eu ser exatamente aquilo que eu sempre sonhei ser, com todas as falhas e tropeços no meio da vida, com todas as músicas sentimentais, com todo o choro, com todos os relacionamentos passageiros que me meti, com a minha cama desarrumada, meus cabelos com vida própria. A vida é bonita, principalmente quando é simples. Eventualmente, as dores passam, e os bons sentimentos ficam e reconstruímos as heranças deixadas para nós, na constituição de uma humanidade mais justa, mais coletiva, mais empática.

Como estudante de Direito, se alguém me perguntar o que eu associo a justiça, eu me lembro, imediatamente de três pessoas: minha mãe, meu avô e minha bisavó. E com toda a tristeza que a saudade e a distância podem me trazer, eu tenho muito orgulho das minhas origens, de quem eu sou, e de quem eu posso ser um dia. Vinte e um anos, muitas experiências e muita vontade de viver: é o que tem na minha mala, e vou carregá-la pelo mundo inteiro, enquanto mulher, enquanto filha, neta e bisneta.


P.S.: Vó Maria, gratidão por continuar me inspirando mesmo depois de sete anos brilhando longe de nós.


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