Eu sou uma contradição

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Escrever sempre teve um lugar na minha vida. Talvez por nascer e crescer com uma mãe professora. Talvez porque isso sempre me encantou. Talvez porque eu tenha talento para isso. Ou talvez não tenha explicação nenhuma. Aos meus oito anos de idade, comecei a escrever um diário, e desde então, não parei de registrar o mundo que estava a minha volta de diferentes formas, seja por poesia, em diários, relatorias, imagens, fotografias, desenhos ou rabiscos nas páginas do livro que eu estivesse lendo.

Se por sorte ou por azar, possuo em mim uma intensidade do tamanho do mundo, que cai nos meus ânimos para fazer a revolução, nas minhas relações pessoais, nos projetos que entro, nas ideias que acredito. Durante a minha adolescência, tudo parecia grande demais, emocionante demais, intenso demais. Foi na escrita que eu encontrei a calmaria das reavaliações, das autocríticas, do enxergar das dores e das delícias dessa vida.
      
Durante os últimos anos, tenho sido um bom clichê, com todos os elementos que uma boa novela juvenil tem. Eu vivi romances louquíssimos, conheci pessoas inimagináveis, fui de um lado para o outro, conheci lugares que nunca passaram pela minha mente. Entre o dia que me enxerguei como um clichê e hoje, eu passei por transformações tão intensas que me tornaram em um ser com uma perspectiva muito maior sobre quem sou, porque sou e para onde quero ir.
     
Entre mil noites e dias, eu vivi baseada nos questionamentos de quem eu era, sob um desespero que parecia infinito. Vivi entre sofrimentos que pareciam infindáveis e que perturbavam qualquer leitura de paz que eu pudesse ter do mundo. Mas que bom que eu passei por todas as noites em claro, que bom que eu gritei, que bom que eu surtei, que bom que eu fiz meia dúzia (ou mais) de escolhas equivocadas. Que bom que eu vivi todo o clichê que eu enxergava na minha existência.
            
Foram tantas primeiras vezes. Foram tantos nasceres do sol, tantas madrugadas frias, tantas cervejas baratas e beijos inconsequentes pelas esquinas. Cada dia desenhou uma linha desse ser que está aqui e agora, escrevendo sobre como a vida pode ser inexplicável.
            
Há tempos que não escrevo sobre o que sinto e exponho ao público, mas isso tem um motivo: eu não sou mais a menina de dezesseis anos que se sentia um clichê e se perguntava sobre o amor. Eu não sou mais a menina de dezessete anos que caiu de paraquedas em uma cidade do interior de Minas Gerais em uma universidade muito louca. Eu não sou mais a menina de dezoito anos que viveu um amor tão intenso que o fim lhe rendeu meia dúzia de cabelos diferentes. Eu não sou mais a menina de dezenove anos que gritava no megafone pelo fim da polícia militar.
           
Eu não sou mais a mesma de quando eu tinha vinte anos, morava na república mais insana da cidade e que dava festa que colocavam quatrocentas pessoas dentro de uma casa, contrariando a física, a lei e o mínimo do bom senso. Eu não sou mais a mesma de quando eu saía em todas as quintas-feiras, sem horário pra voltar para casa, com toda a energia do mundo.
           
Mas ainda bem que eu fui todas essas outras versões, porque foram elas que me deram condição de, hoje, me sentir mais como uma mulher do que como uma menina. Foram todas essas versões que me trouxeram até o último ano de uma graduação em uma universidade pública e que me dão a sensação de que eu cumpri a minha missão, que eu fiz as tarefas que a vida e o tempo histórico me deram. Não é fim. É entender a completude de um ciclo que me deixa de frente para muitas portas novas, que me entregam uma vida adulta para ser construída.
           
Eu não tenho todas as respostas do mundo e eu não sei quanto tempo me resta nessa vida, mas a sensação de completude me dá calma e confiança de que eu vivi e fiz o que deveria. Hoje, dou o início público a novos processos de vida. Entre tudo o que foi e o que virá, acho que contradição é uma palavra que define os rumos e as desavenças que a vida toma para si.
           
Por muito tempo fui um clichê, com toda a inseguranças, as dúvidas, os romances, as experiências esquisitas e questionáveis, como a protagonista de um filme clichê da Netflix. Hoje, eu me apresento como uma contradição entre ser, existir, viver, se reinventar e se redescobrir a cada dia. Se antes eu era um filme adolescente clichê vivido num ambiente colegial, agora é hora de mudar de cenário e se tornar uma série dramática com workaholics, advogados, dinheiro envolvido, coquetel molotov, e novas histórias inesquecíveis. 

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1 coment�rios

  1. Lindo texto! Mais uma reflexão profunda e coerente sobre viver, existir, resistir, experimentar, conhecer...
    Pode ter certeza de que a sua gradual construção do Ser está num caminho de sabedoria e aprendizado. E o melhor: não há tempo perdido nisso tudo! A perda de tempo é uma sensação vaga, quiçá o erro cognitivo mais devastador.
    Continue seu caminho, Duda, vivendo um momento de cada vez. Valorize sua família e seus amigos de fato, estando com eles sempre que possível. Cuide de sua alimentação, faça exercícios físicos, tome umas boas brejas de vez em quando, além de outras bebidas das boas, mas sempre mantendo o controle disso. Leia, assista a filmes e séries, caminhe nas militâncias sem se cobrar tanto. Valorize o passado, mas sabendo que ele está lá atrás. Valorize o futuro, mesmo sabendo que ele não existe; dessa forma, busque sempre não criar expectativas, por mais difícil que isso pareça ser. Cuide de si mesma não se cobrando tanto e, o que tenho pensado ser mais do que essencial nestes tempos, DESCANSE. Valorize o descanso tanto quanto valoriza a ação. A intensidade é válida e valiosa, mas o descanso do corpo e da mente torna a intensidade vívida.
    Viva um momento de cada vez.
    Viva o tempo presente, o agora, pois ele é o que há!
    Um forte abraço! Esteja bem!
    Muito respeito e admiração pela pessoa consciente, resistente, idealista, crítica, corajosa e altruísta que você é!
    Celebremos, como aprendi lendo suas escritas, a resistência diária, a sobrevivência nestas sociedades humanas conturbadas.

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