Sobre fazer vinte anos e se refazer para a vida
04:43
Há pouco mais de um mês, completei vinte anos de idade. Em comemoração às minhas duas décadas de existência nesse mundo não tão perverso assim, resolvi revirar meu espaço, meus escritos, minhas histórias, meus medos, meus receios e tudo mais que poderia entrar dentro das malas que tenho levado de um lado para o outro. Não posso negar a mania reflexiva que eu tenho de escrever sobre o que eu passei no ano vivido. Não posso negar, também, o quanto demorei pra pensar sobre o que eu queria escrever sobre completar vinte anos de vida.
Talvez a dúvida esteja presente em como contar, mas hoje eu sei exatamente o que eu quero contar para cada um que se atrever a ler esse texto. Fazer vinte anos foi muito significativo, não por ser vinte anos, mas por coincidir justamente com um momento muito específico: eu descobri que eu sou feliz. E não é fácil ser feliz, ou, ao mínimo, notar que dá pra batalhar pela felicidade.
Sei que existem muitas faces de mim, e que existem muitas versões do que fui e do que sou por aí. Sei que existem muitas histórias - boas e ruins - sobre as minhas escolhas. Sei que existem diferentes formas de ver os risos e lágrimas que tive. E tá tudo bem ser assim.
Meus últimos dois, três anos não foram os mais simples. Não porque eu não tinha algo, não por falta de capacidade, e nem por uma explicação razoável. Mas porque eu fiquei doente. Muito doente. De certa forma, eu sinto que eu conheci um pouco sobre o famigerado fundo do poço. Acho que ninguém - nunca - vai ter a capacidade total de entender o quão forte pode ser a dor em alguém. E também está tudo bem essas coisas acontecerem.
Dói em mim admitir a quantidade de vezes que eu pensei em suicídio nos últimos dois anos e pouco. Não foram poucas. Era um pensamento recorrente. Sempre perdi horas esmiuçando sobre como seria se eu não fosse obrigada a viver mais nada do que eu tava ali vivendo, sobre como seria ótimo eu nunca mais precisar resolver problema algum, sobre como seria incrível eu não precisar pensar em grana nunca mais, sobre como seria fenomenal o fato de nada mais me abalar. Mas no fim das contas, eu sempre odiava a minha incompetência em não conseguir achar uma solução mais decente e que não envolvesse a minha morte. Era tão satisfatório achar que nenhum peso mais seria carregado. E eu odiava sentir tudo isso, o que só me trazia a um ciclo de vida viciado em me odiar enquanto parte de mim lutava para que eu me amasse outra vez.
É muito difícil admitir que eu estive doente. Que eu não conseguia colocar, de forma óbvia, para minha psicológa, que eu não aguentava mais, que eu queria ser salva. Mas passou. E passou por cada luta travada comigo mesma a cada dia. Passou por causa de cada dia que eu chorei enquanto levantava da cama, mas levantei ainda assim. Passou por causa de cada dia que disse não ao que me fazia mal. Passou por causa dos pais maravilhosos que eu tenho e que souberam me abraçar e dizer que estava tudo bem eu ser do jeito que eu quisesse. Passou porque eu usei toda a minha força para fechar a porta da minha casa para deixar de fora pessoas que esqueceram que eu também sentia alguma coisa. Passou por causa da vez que uma amiga arrumou meu quarto, colocou minhas roupas pra lavar e disse que acreditava que eu ia melhorar. Passou porque minha mãe me abraçou, riu comigo. Passou porque meu pai jogou conversa fora comigo pra demonstrar que me amava. Passou quando eu compartilhei o café com meus avós e eles queriam saber sobre como andava minha vida.
E então eu consegui forças diárias pra acreditar em novo em mim, acreditar em uma vida boa, plena e feliz. Eu me recuperei porque todas as minhas lágrimas foram secadas e a vida ecoou no meu coração que tudo se encaixa na hora certa. Recuperei minha vontade de viver por trazer mais honestidade para os meus dias, por me dar a liberdade de sentir coisas malucas e entender que dá pra voltar atrás, e que tudo se refaz. Dei-me liberdade para acreditar no que eu quero e no que é melhor pra mim, sem receio do que as pessoas vão pensar. Dei-me a força pra acreditar outra vez que Deus tem um plano para a minha existência.
Escrevo esse texto chorando, não por hoje, mas por todas as lembranças que vêm à tona. Mas também escrevo esse texto com uma sensação que tem se feito muito presente nos últimos dias: plenitude. Meu coração se enche com um calorzinho gostoso quando olho para o meu quarto, vejo ele arrumado, sei que minhas roupas estão lavadas, que eu consegui me alimentar de uma forma decente. Um sorriso nasce no meu rosto quando eu penso que consegui falar com a minha vó pelo celular hoje (apesar da dificuldade dela para entender o funcionamento do WhatsApp), que conversei com meus pais, que gastei horas do meu dia fazendo planejamentos para viajar sozinha daqui quinze dias só para por o pé na areia lá pelo sul do país.
Se tem uma lição que aprendi ao completar vinte anos foi a de que devemos nos cercar de pessoas que confiem no nosso melhor, e que devemos acreditar no melhor das pessoas. O mundo fica mais leve quando alguém olha pra você e diz que você vai conseguir. O mundo fica menos dolorido quando você consegue olhar para um amigo e dizer que ele vai alcançar o que quer. A vida não termina se fazemos o esforço de colocar doses pequenininhas de tranquilidade, paz e determinação.
Entro nesse novo ano da minha existência determinada a fazer minha vida um lugar melhor para mim e para as pessoas que me cercam. Entro, determinada, a fazer da minha casa um local agradável para mim e para os amigos que moram comigo. Entro com vontade de carregar a força que tem se apoderado de mim e sair distribuindo em potinhos coloridos para quem precisar. Entro determinada a ser a melhor no que acredito, e não por uma questão de competição, mas porque eu consigo. Entro com vontade de ser boa no meu trabalho, atender as pessoas muito bem, dar risada com meus colegas e deixar nosso dia mais leve. Entro com coragem pra fazer e escrever memórias com meus pais, minha irmã, meus avós, com meus amigos e comigo mesma.
Nos últimos dois anos, cortei o cabelo várias vezes e de todos os jeitos que eu queria. Eu pintei de azul, de roxo, de rosa, de verde, de loiro e qualquer cor mais que apareceu na minha cabeça. E pouco antes de completar vinte anos, cortei de um jeitinho que eu sempre quis ter. Eu me livrei de quase todos os meus fios que estavam pintados. Curtinho. Um pedaço de mim totalmente novo e que não presenciou minhas dores.
Isso me faz pensar que um dia todas as células do meu corpo vão mudar e que então vai existir um eu que não foi tocado pela vontade de morrer. Porém, acima de tudo, hoje eu sei que eu sou feliz e que eu tô pronta pra felicidade. Alguns dias não são fáceis, mas também tá tudo bem. A felicidade tá de mão dada comigo, e eu não largo mais dela. Agora é hora de deixar o cabelo crescer outra vez.
2 coment�rios
Adorei o texto e a forma como escreve. Me senti dentro do seu pensamento.Parabéns!
ResponderExcluirObrigada!
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